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Um ensaio sobre filhos e as contas do banco

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Esta foi uma noite boa. Eu dormi bem. Joaquim estava calmo dentro do meu ventre. Eu estava cansada o suficiente. Estava também com a boa sensação de ter feito o que precisa ser feito. Eu sei claramente o que preciso fazer. E tenho feito. A chuva pesada da madrugada trouxe a brisa fresca para o quarto. Eu adormeci bem e tive bons desdobramentos astrais.

Acordei bem, cedo, alma em paz. As últimas semanas têm sido intensas. Muitas mudanças. Primeiro, elas acontecem por dentro. Depois, gritam para fora e tomam forma. Algumas formas são arredondadas, de mudanças que saem rolando, de forma prática, desenrolando todos os nós. Já outras, descem quadrado, rasgando mente e corpo, fazendo a garganta raspar e a cabeça latejar.

Eis que nesta manhã eu li um texto da Anne Rami, uma amiga que a maternidade me trouxe. Nos vimos algumas vezes pessoalmente. Nos acompanhamos diariamente pelas redes sociais. A chamo de amiga, porque acredito que amigo nosso é todo aquele que nos ajuda, de alguma forma. E Anne me ajuda. Me ajudou hoje, nesta manhã.

Li um texto seu, sobre seus avós, sobre sua filha, sobre morte e vida. Terminei com um nó na garganta, dei play no Chico Buarque cantando Iolanda, o nome da filha da Anne, e me debrucei na mesa do escritório em todas as lágrimas do oceano. Um choro sentido, descompassado, violento até, que abre peito, abre coração, abre mente. Molhei a mesa, com a cabeça baixa. Inundei as células.

E pensei no trecho que Anne escreveu “Naquele dia eu me convenci de que não valia a pena viver a vida pensando nas contas do banco”.

Nessas últimas semanas tudo o que me tira o sono são as contas do banco. Elas são muitas. Tenho levado broncas de um grande amigo, que me aconselha a não reclamar de dinheiro, a manter a imagem de uma grande profissional de sucesso. Ele está certo até um ponto. Eu sou tudo isso, sim! Mas, também penso nas contas do banco. E penso muito! Elas existem, infelizmente.

Por sorte não as levaremos dessa vida. Alô, Bradesco, beijo pra ti. Você não vai comigo! Anne me lembrou disso hoje.

Juro que farei um esforço para as contas do banco não me tirarem o sono. Farei um esforço para parar de trabalhar no meio da tarde e ir brincar com meus filhos, depois de horas ininterruptas, afinal o pensamento recorrente é: preciso trabalhar mais, preciso pagar as contas do banco. Farei um esforço para almoçar de forma tranquila sem pensar nas contas do banco. Farei um esforço para estar mais presente com meus guris, à noite, na nossa oração, sem pensar nas contas do banco.

Quando as contas do banco me assombrarem os pensamentos, farei um esforço para me lembrar de Eduardo, meu amor de presente, que faz massagem todas as noites em meus pés inchados. Lembrarei de Joaquim, que está em meu ventre e é meu terceiro filho tão sonhado, que veio depois de eu desacreditar de poder me casar novamente e ter mais filhos. Lembrarei de Luca e seus bracinhos estendidos me oferecendo abraço, todas as vezes que passo pela sala e ele está deitado no sofá. Lembrarei de Dudu e seu sorriso, onde cabe o mundo inteiro, me dizendo que eu “sou a mãe mais linda, de qualquer jeito linda, mesmo feia eu sou linda”.

A medida que me lembro disso, “minha solidão se sente acompanhada”, como disse o Chico, em Iolanda, e eu junto mais forças para continuar a viver de forma mais branda e a lutar com mais ânimo para vencer as contas do banco.

*Imagem: We Heart It


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